sábado, 1 de novembro de 2008

A BIENAL DA ANTI-ARTE

por Flávio Grão




A idéia da coluna ARTE URGE surgiu como uma maneira de ajudar na vazão do enorme fluxo de arte e criatividade que passa por São Paulo e que nem sempre encontra o merecido espaço para se manifestar.

O irônico é que na sua estréia esse espaço será ocupado com um tema que representa uma antítese da arte: A 28ª Bienal de Arte de São Paulo.

Há mais de cinqüenta anos - a cada biênio, o paulista sentia orgulho em adentrar o enorme prédio da Bienal no Parque do Ibirapuera. Era esse o momento de um encontro impar com muito do que ocorria no panorama das artes plásticas no mundo inteiro. Não dava para não sair atordoado, tocado, incomodado ou influenciado por alguma das obras que lá estavam. Uma cor, uma foto, uma tela, um vídeo, uma música, uma escultura. De anos para cá a Bienal passou a ser gratuita e muito mais pessoas passaram a ter acesso às obras. Gente de todo o tipo poderia entrar em contato com a arte.

A vigésima oitava edição da Bienal pretendia romper com esse formato, e conseguiu. Na mídia recebeu o singelo apelido de “Bienal do Vazio”. O apelido tem sentido pelo reduzido número de obras e pelo desperdício do segundo andar inteiro onde não se encontra nenhuma, repito: nenhuma obra de arte.

Com um pouco de leitura, antena ligada e acesso a veículos de comunicação mais comprometidos com a informação se observa há tempos notícias sobre o uso irresponsável (entenda a expressão como um eufemismo ) da verba da Fundação Bienal. Inicialmente surgiam rumores que talvez essa Bienal nem acontecesse devido às dívidas da Fundação, depois que aconteceria com um formato diferente. Ao invés das grandes exposições: debates e discussões.

Resumindo em linguagem curta e grossa: a má administração da Fundação fez com que ela praticamente falisse e para reduzir os gastos foi inventada toda essa papagaiada de um “formato diferente” ou de se “rediscutir o formato” cujas justificativas podem ser encontradas em linguagem prolixa no site da mostra que enganará aos incautos e desinformados.

No intuito de tentar entender qual seria a concepção (ou justificativa) para a “Bienal do Vazio” compilei alguns trechos do site:

“Por sua própria definição, a Bienal deveria cumprir duas tarefas principais: colocar a arte moderna do Brasil não em simples confronto, mas em vivo contato com a arte do mundo, ao mesmo tempo em que, para São Paulo, se buscaria conquistar a posição de centro artístico mundial.”
[Lourival Gomes Machado, “Apresentação”. in: I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1951, p. 14].

Bem, deveria, mas:

“A 28ª Bienal de São Paulo propõe um formato diferente das bienais anteriores, com o objetivo de oferecer uma plataforma para observação e reflexão sobre o sistema e sobre a cultura das bienais no circuito artístico internacional. Para tanto, articula estratégias de exposição, debate e difusão a partir da experiência da própria Bienal de São Paulo, como um estudo de caso, considerando as profundas mudanças ocorridas no contexto cultural específico em que ela se inscreve – Brasil e América Latina –, assim como aquelas havidas no mundo, com a globalização das relações econômicas e culturais, e a popularização da arte contemporânea por meio de exposições museológicas, feiras e bienais.”

Já sobre o segundo andar, completamente vazio:

“Ao contrário das bienais anteriores, que transformaram todo o interior do pavilhão modernista em salas de exposição, desta vez o segundo andar está completamente aberto, revelando sua estrutura e oferecendo ao visitante uma experiência física da arquitetura do edifício. É nesse território do suposto vazio que a intuição e a razão encontram solo propício para fazer emergir as potências da imaginação e da invenção.”

Lendo estes parágrafos, sem a devida contextualização histórica, corre-se o risco de acreditar na balela. Mas com as informações sobre a crise da Fundação Bienal, alguém consegue engolir isso?

Fica São Paulo com uma brecha neste ano, com a falta de um espaço cultural que milhares de paulistanos mereciam ter.

Para finalizar não é de se espantar que um grupo de pichadores tenha invadido e pichado o tal andar desperdiçado (vazio) da Bienal. Afinal estamos em uma cidade que carece de espaços para manifestações culturais. Não é?

Reflita!


Refletir sobre o vazio? Feche os olhos!

10 comentários:

  1. Há muito tempo, em uníssono com o genial André Comte-Sponville, eu bato nessa tecla do vazio e do irracionalismo. Vai um trecho exemplar: "Como é que, no séc XX, essa arte laica, que foi perturbadoramente genial nos sécs XVI, XVII, XVIII e XIX, põe-se de repente - vejam nossos museus de arte contemporânea - a empilhar caixas umas sobre as outras, a expor montes de areia, de carvão ou a exibir, não invento nada, panos de chão velhos ou um magote de caibros usados... (Todos conhecem a anedota em que a faxineira joga no lixo uma obra de arte, porque acreditava que os operários a tinham esquecido ao terminar seu trabalho!)... Se Deus não existe, tudo é permitido (como foi dito mil vezes, após Dostoiévski, para justificar o niilismo ou voltar ao dogmatismo religioso) e, portanto, pode-se fazer qualquer coisa. O importante não é mais a obra, é o artista: se Deus não existe, sou Deus. Não é mais a obra que dá valor a assinatura; é a assinatura que dá valor à obra, ou mesmo faz as vezes de obra..." (André Comte-Sponville)

    Preciso dizer algo mais?

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  2. Esse autor muitas vezes fala por ti.
    Preciso ler suas obras...

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  3. Grão,

    fui a Bienal hoje. Levei minha sobrinha de 10 anos, que nunca tinha ido. Pobrezinha, fiquei com dó: já imaginou a triste lembrança que ele terá de sua primeira Bienal?

    Bom, ela gostou de correr pelo segundo andar vazio. Talvez ela se recorde, daqui uns 20 anos, que eu a levei num "galpão vazio". Mas dificilmente ela associará isso à arte.

    Na saída, perguntei: "Teté, do que vc mais gostou?" - "Do escorregador, tio. E vc?" - "Eu também, Teté, eu também".

    Sair de uma Bienal achando que a coisa mais legal é um escorregador, diz muito sobre o que é essa 28ª edição. É de uma tristeza sem igual, de uma pobreza espiritual que dá desgosto. Na minha memória, será para sempre a Bienal da Tristeza.

    ps1. Ai que saudade da Bienal dos 500 anos.

    ps2. Vc tem razão, Grão: parecia uma feira de ciências.

    Um abraço.

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  4. aqui vão 3 "achismos" de quem não foi ainda na bienal, mas gosta de bater um papo sobre arte

    o "fluxo de arte e criatividade" que tem em são paulo é grande sim, e por isso mesmo um andar vazio me parece uma boa contestação a esse "enorme fluxo "...

    gosto do apelido "bienal do vazio" (mesmo que fosse pra ser pejorativo) e do movimento dos pixadores, embora não acredite que aquilo tenha sido algo desvinculado do próprio evento - e se não foi, dez pontos a menos pra bienal.

    acho legal pensar na importância atribuída ao artista em relação à obra, por isso Duchamp é, para mim e tantos outros, um gênio da anti-arte... mas realmente, com tantas produções cujas alegorias se destacam antes de sua fruição, não sabemos mais se é a obra ou o autor que passaram no edital.

    ... bem, agora preciso ir pra ver se mudo de opinião

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  5. Quando vc ver a tristeza de perto, vai mudar de opinião!

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  6. Muitas vezes na Bienal, por mais obras que houvessem lá...me parecia vazia...oca.

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  7. É Edu, eu já senti isso também. Parece-me que em algumas bienais havia a preocupação excessiva de representar o maior número de países e seus artistas, como isso por si só bastasse.

    Mas garanto, mesmo nessas exposições carregava alguma coisa positiva...

    Bem, gente, a atual Bienal é ver para crer... ou melhor, não ver para não crer...

    Acho que o principal dessa discussão é pensar sobre a manipulação da linguagem com fins escusos...

    É isso.

    Abraço!



    Obrigado pelas opiniões!

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  8. Concordo com o Viegas, e portanto concorco com Comte-Sponville quanto a arte ou "o belo" estar mais associado às assinaturas do que à obra em sí, mas o fato aqui, e é isso que o Grão passa no texto é que sim, a Bienal está falida!
    Não estranhem se não tivermos Bienal em 2009 e menos ainda se o acesso a Bienal voltar a ser pago!

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